Tudo começou com um diagnóstico.
Tinha 35 anos quando a minha vida mudou para sempre.
Corria o ano de 2008 e, de repente, a palavra cancro deixou de ser apenas algo que eu ouvia falar em histórias de outras pessoas e tornou-se na minha realidade. O diagnóstico caiu sobre mim como uma avalanche: cancro da mama triplo negativo, uma das formas mais agressivas desta doença.
Após a reunião multidisciplinar, de todas as especialidades que intervêm no processo de tratamento, a decisão terapêutica que me foi apresentada consistia em cirurgia conservadora e linfadenectomia axilar, quimioterapia e radioterapia. E a partir dessa decisão dei início a uma jornada que me fez viver 12 meses na luta pela minha vida.
Como se isso não bastasse, mais tarde descobri que era portadora da mutação genética BRCA1, o que aumentava ainda mais os riscos de desenvolver este ou outros tipos de cancro. Deparando-me assim com mais um confronto desafiante da minha vida. O de ter que tomar uma das mais difíceis decisões - a de a título preventivo amputar partes do meu corpo feminino. Assim, em 2014 e 2016, decidi avançar para a histerectomia e a mastectomia bilateral, respetivamente.
Recordo-me perfeitamente bem o que me guiava nessa altura. Um lema que se repetia dentro de mim, quase como que uma oração.
"Nada é demasiado penoso para salvar a minha vida."
E foi agarrada a esta força que avancei, mesmo quando o medo teimosamente se fazia ouvir em sussurros aos meus ouvidos.
E tudo, no seu devido tempo, foi passando e sanando. E, presentemente, somo e comemoro 17 anos de sobrevida!
Precisei comprar uma agenda temática para o cancro, mas não havia.
Estava no ano 2014 e durante um exame de controlo da doença, foram detetados três microquistos na mama contrária à já intervencionada. Ora, com o meu historial clínico, naturalmente que o alarme "perigo" soou de imediato. Seguiram-se consultas, mais exames complementares e muitos medos que tomaram literalmente conta de mim. Tanto que no intervalo das três semanas em que aguardava pelos resultados, vivi dias de ansiedade e noites em claro. O medo de vir a ter um novo cancro era real e, ao mesmo tempo, algo em mim ressoava a necessidade de me preparar para essa possibilidade.
Sendo eu uma mulher organizada e gostar do planeamento, numa das noites de insónia, decidi procurar algo simples: uma agenda específica para doentes oncológicos. A minha surpresa foi grande quando tanto "googlar" percebi que nem em Portugal nem noutros países existia algo semelhante. O que me levou a pensar para comigo: “como é possível haver agendas para tantos temas e não existir nenhuma para o cancro?”
Foi então que fui buscar as minhas antigas agendas, aquelas que me tinham acompanhado ao longo da minha primeira jornada oncológica, e comecei a analisar tudo o que havia registado: exames, consultas, tratamentos, cirurgias, medicamentos, dúvidas, vitórias e até fragilidades. Assim nasceu em mim a ideia de criar a minha própria agenda, feita à medida das minhas necessidades que, na verdade, são as de todas as mulheres com cancro de mama.
E assim, ao longo de noites seguidas, fui me entretendo a estruturar páginas, a rever cada etapa da minha experiência e a transformar em papel o que antes tinha sido uma panóplia de informações e emoções. Até que, finalmente, recebi o resultado: os microquistos não eram malignos. O alívio foi imediato e, com ele, as insónias cessaram e o meu projeto acabou por ser arrumado num arquivo. Mas, confesso, nunca o esqueci. Sabia que aquela ideia era especial, única, e que um dia poderia servir não só a mim, mas também a tantas outras mulheres que, como eu, precisassem de apoio para se organizarem e se fortalecerem ao longo da caminhada.
Ouvi o apelo do meu coração e criei o Guia - A minha Mama
Em 2024, estando eu a recuperar de um burnout, sou impelida pela força da minha voz interior a tirar este meu projeto da gaveta, uma vez que batia forte a consciência que na vida nada se deve deixar para depois. E este meu depois já durava longos10 anos!
Foi nesse vazio que nasceu em mim a vontade de criar algo diferente.
Deu-se um reencontro muito bonito e sereno. Sem pressas revi tudo o que havia criado, página a página, e com uma maior clareza fui sincronizando novos conhecimentos, entendimentos e novas vontades.
E assim se deu mais um renascimento na minha vida.
Para este meu novo projeto esteve sempre comigo algumas preocupações máximas. A de centrar um conjunto de funcionalidades muito especificas que, num todo, formassem um instrumento adequado para acompanhar de forma ampla e assertiva toda e qualquer jornada cancro de mama. Que na sua essência, reunisse organização, clareza e informação para a mulher se sentir segura e protagonista do seu processo de saúde e, muito importante também, que oferecesse acolhimento, inspiração e ferramentas de expressão que a ajudem a aliviar o peso emocional que esta caminhada traz consigo. E que com um profundo carácter humanizado que tanto me caracteriza, respeitasse e dignificasse todas as mulheres.
Desde a organização clínica ao cuidado psicoemocional — um verdadeiro companheiro de caminhada.
Funcionalidades principais do Guia
Na vertente clínica e organizacional:
- Conhecer as diferentes fases da jornada oncológica, desde o diagnóstico até à recuperação.
- Centrar todas as informações clínicas num único lugar, evitando perdas ou esquecimentos.
- Calendarizar consultas, exames, cirurgias, pensos, fisioterapias, tratamentos e toma de medicamentos.
- Registar sinais vitais e sintomas associados ao pré e pós-tratamento, facilitando o acompanhamento clínico.
- Preencher fichas técnicas personalizadas, adaptadas às especificidades do cancro da mama e dos procedimentos cirúrgicos.
- Preparar consultas com maior clareza, através de fichas com sugestões de perguntas para diferentes especialidades e profissionais de saúde.
- Apoiar a tomada de decisões, ajudando a mulher a sentir-se mais informada, confiante e protagonista do seu processo.
Na vertente psicoemocional:
- Identificar e acolher sentimentos e emoções, através de textos reflexivos e testemunhos em primeira pessoa.
- Incentivar momentos de recolhimento e leveza, criando espaços para escape, libertação e bem-estar.
- Estimular a expressão criativa, com áreas dedicadas à escrita, desabafos, frases inspiradoras, desenho ou pintura.
- Oferecer uma meditação de voz guiada, para ouvir sempre que a mente e o coração pedirem silêncio, paz, leveza e mimo.
Hoje, ao olhar para trás, percebo que cada passo da minha jornada, por mais duro e desafiante que tivesse sido, me trouxe até aqui. O cancro transformou-me, obrigou-me a reconstruir-me e, sobretudo, ensinou-me que da dor também pode nascer algo profundamente luminoso.
O Guia A minha Mama é a materialização dessa iluminação. É o testemunho vivo de que nada daquilo que experienciamos é em vão, se conseguirmos transformar as nossas cicatrizes em serviço para o outro.
O que começou como uma necessidade pessoal, tornou-se num projeto com um propósito maior: apoiar, orientar e abraçar cada mulher que se vê confrontada com o cancro da mama. Porque sei, na primeira pessoa, que esta doença não se enfrenta apenas com medicamentos e cirurgias, mas também com organização, informação, clareza, apoio emocional e humanidade.
Se este Guia puder ajudar a tornar a caminhada de outra mulher um pouco mais leve, clara e digna, então todo o meu percurso ganha ainda mais sentido. E assim sigo, de coração cheio, acreditando que não escolhemos as batalhas que nos surgem, mas podemos sempre escolher transformá-las em sementes de esperança para o mundo.
Reflexão final:
As cicatrizes dizem-me por onde andei, mas não ditam para onde devo ir.
A vida ensinou-me que o cancro pode marcar o corpo, mas nunca define a essência de quem somos.
Como nota final, não posso deixar de enaltecer todas as pessoas que fizeram e continuam a fazer parte da equipa de criação, construção e divulgação do Guia e da Para além do Cancro.
Cada uma com a sua arte e criatividade fez acontecer e tornou este projeto em algo pioneiro e especial.
Todas são especiais e residem no meu coração, mas, em especial, sinto partilhar a importância da minha Inês Margarida. Uma profissional excecional em todos os sentidos. Ela foi criadora, ilustradora, gestora, respeitadora, acolhedora e amiga. Da nossa relação, que foi praticamente diária ao longo de 18 meses, nasceu uma relação que perdurará nas minhas melhores memórias. Que viagem inesquecível!
Obrigada de coração.
Com carinhos,
Sandra
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